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Fred e Érica

Posted by Arthur on 16:12 in ,

Começou na faculdade. Terminou na faculdade.

Fred estudou Relações Públicas (se é que alguém ‘estuda’ esse assunto). Ele sempre acreditou que era mais uma questão de assimilação do que de estudo - uma busca constante por referências e amigos. Adotou como filosofia a idéia de seu bom companheiro e aspirante a redator publicitário Gabriel Olivetto de que não estava na faculdade para estudar, e sim pra fazer amigos que o puxariam para o sucesso. Muito embora seu sobrenome sugerisse certa importância no mundo da publicidade, Gabriel se lamentava pelo dia fatídico em que a família Olivetto se fragmentou de forma que ele nada tinha de relacionado com um certo Washington.

Érica era do interior. Tinha vindo para Belo Horizonte cursar a faculdade de jornalismo. Mantinha seu cabelo curto e sempre muito brilhante, o que chamava a atenção de quase todos os rapazes da Faculdade de Comunicação da UFMG. Alguns não eram pescados porque preferiam outros rapazes. Outros porque se prendiam em detalhes mais sutis como o pingente subjetivo do colar que ela usava quase que como amuleto ou as unhas lixadas mas nunca pintadas, como as das outras meninas.

Para ele, alguma razão cósmica definida pelo alinhamento de Vênus com Marte no dia de seu nascimento colocou ambos na mesma Faculdade de Comunicação. Para ela, uma coincidência sem muitas explicações espirituais a fez ficar atrás dele na fila do bebedouro em uma tarde quente de agosto. Não tivesse ela se abaixado para amarrar o cadarço do tênis antes de entrar no corredor da faculdade, ou caso ele não tivesse escolhido exatamente naquele dia reverter a ordem do ritual que seguia todo intervalo de aula, no qual ia ao banheiro primeiro e depois ao bebedouro, aquela troca de sorrisos nunca teria existido e, consequentemente, evoluído para a página 242 desse romance.

Isso para Érica. Fred sabia que se não fosse naquele dia, o carma faria sua mágica acontecer em algum outro momento.

Fato é que independentemente das razões, os dois ficaram juntos. E se separaram porque de alguma maneira, tinha Peixes demais no mapa astral dele. E ficaram juntos de novo porque era disso que ela precisava. E se separaram em definitivo porque ele gostava muito mais dela do que ela dele.

Fred amava Érica. Érica admirava Fred.

E mesmo sabendo disso, Érica gastou um bom tempo da vida dos dois se preocupando com o bem-estar emocional de Frederico. E foi isso que o ajudou a canalizar todo aquele sentimento, primeiro em rancor e depois em indiferença. Por ele, as coisas nunca teriam chegado àquele ponto se ela tivesse sido honesta como ele sempre fora. Supunha que era infinitamente mais fácil lidar com a rejeição do que com a espera. Mas a sincronia não era algo, digamos assim, presente na vida daquele casal.

Assim, Érica manteve Fred bem alimentado com migalhas por um bom tempo.

Ambos se formaram. Ambos conseguiram um emprego. Ambos começaram e terminaram relacionamentos com outras pessoas. E quase 5 anos depois daquela fila para beber água, um não mais pensava no outro.

Érica tinha conhecido a Europa oriental. Fred o Japão.

Ambos viajaram pela América do Sul no mesmo janeiro ouvindo o mesmo Belchior, mas nunca se esbarraram ao acaso em um cassino qualquer de Santiago.

Eis que tantos desencontros convergiram em um só encontro.

O ano era 2014 e Fred tinha aceitado um convite para ficar no Uruguai trabalhando com a assessoria de imprensa da Celeste Olímpica. O jovem estava absurdamente empolgado com a chance de estar dentro de uma delegação de Copa do Mundo. Aquilo era muito surreal para um rapaz de apenas 24 anos, mas com uma pequena ajuda dos amigos, o convite de fato foi feito pelo presidente da Associción Uruguaya de Fútbol, Sebastián Bauzá. Primeiro Fred ficou intimidado com a responsabilidade, afinal, nem tinha tanta experiência assim com assessoria. Mas depois pensou no jovem Édson, campeão do mundo em 58 com apenas 17 anos, e no craque Philippe Coutinho que iria conduzir a seleção brasileira, favorita e dona da casa, tendo menos idade do que ele próprio.

Os primeiros meses de trabalho passaram voando e Fred assimilou bem suas funções. Tudo corria bem e sem muita polêmica. Acabou ficando bem próximo dos jogadores, sobretudo do capitão Diego Lugano, altamente identificado com a cultura brasileira graças ao tempo que passou jogando pelo “San Pablo” e a convivência com a colônia brazuca que se instalou no seu time, o Fenerbahçe de Istambul.

Então, sem dar muito tempo para Fred se acostumar com a nova vida, maio chegou e a delegação uruguaia já estava devidamente hospedada em um hotel de luxo em BH, onde travaria seu primeiro embate pelo grupo E. A primeira semana de treinamentos passou sem muito alarde: coletivas bem organizadas e nada de entrevistas individuais. Só quando o mês de junho entrou que a proximidade da estréia aumentou o assédio dos jornalistas. Depois de recusar algumas exclusivas, Fred decidiu abrir as portas para o Estado de Minas que estava fazendo um perfil detalhado das seleções que se digladiariam em solo mineiro. O editor chefe ficou de enviar um repórter ao hotel até o fim da manhã. A missão de Fred seria almoçar com o repórter fornecendo detalhes de como jogou a esquadra celeste nas eliminatórias. Depois, concederia uma entrevista exclusiva com o capitão Lugano e o eleito melhor jogador da última copa, Diego Forlán. Sem muito mistério.

Às 11:00 horas, Fred já esperava no lobby do hotel. Foram-se 15 minutos e nada. Meia hora e nada. Os demais integrantes da delegação que por ali passavam já começavam a comentar sobre o descaso do jornal. Quando já se preparava para voltar pro campo de treino, Fred viu a van do EM estacionar em frente à porta de entrada. Pôs-se de pé e ensaiou sua melhor cara de bravo.

Grande bobagem.

A feição séria foi quebrada como uma vidraça atingida por um bastão de baseball errante no momento em que Fred viu os integrantes da equipe descerem apressados do veículo. Vieram caminhando um fotógrafo, um assistente de produção e uma repórter: morena de cabelos curtos.

Fred engoliu em seco e chegou a temer um travamento de fala que felizmente não aconteceu, de modo que ele pôde responder o cumprimento da jornalista.

- Bom dia pra você também Érica.

As falas foram seguidas por um abraço meio sem-graça e por pedidos de desculpas pelo atraso proferidos pelo restante da equipe do jornal. Pedidos esses ignorados pelo estado estupefato de Fred. Tudo que ele conseguiu fazer foi dizer:

- Bom, o almoço já está servido. Se vocês puderem me acompanhar até o restaurante, nós podemos começar a entrevista.

Os 4 caminharam em silêncio e entraram no elevador no canto sul do saguão.

Tocava uma versão instrumental de Garota de Ipanema no sistema de som.


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Esse Gabriel Olivetto sabe das coisas.

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