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Tia Benta
Renatinho cresceu numa família comum. O padrão brasileiro. Mãe, pai, irmão, irmã, cachorro, vó, vô, vó. O outro avô ele não tinha. Este tinha falecido muitos anos antes de seu nascimento, vítima da cirrose hepática. Tomar café com conhaque todo dia de manhã tinha alguma consequência, afinal. Renatinho tinha também uma tia muito presente, a Tia Benta. Não era tia de verdade mesmo, irmã de sua mãe ou de seu pai. Era uma dessas 'tias de consideração'. Ela era amiga de seus pais, tios, avós... Todos amavam a dita cuja. E a relação parecia remontar a tempos tão longínquos que Renatinho nem atrevia-se a perguntar da onde todos conheciam a Tia Benta. Não é que ele não gostasse da tia velha, muito pelo contrário até. Ela era uma mulher muito boa, solícita, boa educadora (apesar de não ter os métodos mais psicologicamente complexos, ela normalmente preferia sentar vara de marmelo no bumbum dos meninos da rua ou então ameaçar todo mundo dizendo que eles iam pro inferno por terem quebrado o vidro do carro do Seu Manuel da venda com bola e terem fugido depois). Renatinho só não conseguia entender porque aquela tia era diferente das outras, das que ele gostava mais. Por que a Tia Benta vive aqui em casa dando ordem em todo mundo e a Tia Ednanci (que fazia os melhores doces) quase nunca vem? Isto ainda sendo a segunda parente de sangue mesmo.
O menino resolveu investigar. Investigou, mas não descobriu nada. Ninguém tinha um registro, ninguém tinha uma recordação. Todo mundo simplesmente aceitava a presença da Tia Velha que estava ali desde sempre. E foi justamente aí que o garoto enxergou sua oportunidade de se libertar das obrigações que tinha junto à tia. Se por um lado ninguém questionava a presença da Tia Benta, por outro, ninguém também se importaria se ele simplesmente se recusasse a fazer o que a velha mandava. Desde que ele não faltasse com o respeito (afinal, deve-se respeitar os mais velhos), ele poderia viver sua vida fazendo as coisas que ele tinha vontade, mas não podia fazer antes por ordens da tal tia de consideração.
Vitória. Renatinho finalmente ia poder brincar de bola domingo de manhã, ao invés de ir à missa da igreja chata. Agora ele ia poder namorar com a filha da vizinha no corredor e também ia poder ser amigo do Ricardo, o menino afeminado da rua de cima (mas que tinha os melhores videogames). Ele ia poder comer doce até não aguentar, ia poder ler as revistas em quadrinhos que quisesse e ia poder gritar um sonoro palavrão quando chutasse sem querer o asfalto e arrancasse o tampo do dedão (desde que a mãe não escutasse). Parecia um estilo de vida mais livre, com mais experiências, menos medo e menos ressabiamento de tudo. Renatinho gostou.
Hoje, Renato nem nota mais a presença da tia nos cantos da casa. Geralmente, ele só se lembra da Tia Benta quando ela junta todo mundo pra rezar nas festas de natal e em algumas outras cerimônias de família como batizados ou casamentos. Ironicamente, o 'santo' dele não bate com o dela. Mesmo assim, ele entra na roda, por respeito.
O menino resolveu investigar. Investigou, mas não descobriu nada. Ninguém tinha um registro, ninguém tinha uma recordação. Todo mundo simplesmente aceitava a presença da Tia Velha que estava ali desde sempre. E foi justamente aí que o garoto enxergou sua oportunidade de se libertar das obrigações que tinha junto à tia. Se por um lado ninguém questionava a presença da Tia Benta, por outro, ninguém também se importaria se ele simplesmente se recusasse a fazer o que a velha mandava. Desde que ele não faltasse com o respeito (afinal, deve-se respeitar os mais velhos), ele poderia viver sua vida fazendo as coisas que ele tinha vontade, mas não podia fazer antes por ordens da tal tia de consideração.
Vitória. Renatinho finalmente ia poder brincar de bola domingo de manhã, ao invés de ir à missa da igreja chata. Agora ele ia poder namorar com a filha da vizinha no corredor e também ia poder ser amigo do Ricardo, o menino afeminado da rua de cima (mas que tinha os melhores videogames). Ele ia poder comer doce até não aguentar, ia poder ler as revistas em quadrinhos que quisesse e ia poder gritar um sonoro palavrão quando chutasse sem querer o asfalto e arrancasse o tampo do dedão (desde que a mãe não escutasse). Parecia um estilo de vida mais livre, com mais experiências, menos medo e menos ressabiamento de tudo. Renatinho gostou.
Hoje, Renato nem nota mais a presença da tia nos cantos da casa. Geralmente, ele só se lembra da Tia Benta quando ela junta todo mundo pra rezar nas festas de natal e em algumas outras cerimônias de família como batizados ou casamentos. Ironicamente, o 'santo' dele não bate com o dela. Mesmo assim, ele entra na roda, por respeito.