0

Tia Benta

Posted by Arthur on 16:56 in , ,
Renatinho cresceu numa família comum. O padrão brasileiro. Mãe, pai, irmão, irmã, cachorro, vó, vô, vó. O outro avô ele não tinha. Este tinha falecido muitos anos antes de seu nascimento, vítima da cirrose hepática. Tomar café com conhaque todo dia de manhã tinha alguma consequência, afinal. Renatinho tinha também uma tia muito presente, a Tia Benta. Não era tia de verdade mesmo, irmã de sua mãe ou de seu pai. Era uma dessas 'tias de consideração'. Ela era amiga de seus pais, tios, avós... Todos amavam a dita cuja. E a relação parecia remontar a tempos tão longínquos que Renatinho nem atrevia-se a perguntar da onde todos conheciam a Tia Benta. Não é que ele não gostasse da tia velha, muito pelo contrário até. Ela era uma mulher muito boa, solícita, boa educadora (apesar de não ter os métodos mais psicologicamente complexos, ela normalmente preferia sentar vara de marmelo no bumbum dos meninos da rua ou então ameaçar todo mundo dizendo que eles iam pro inferno por terem quebrado o vidro do carro do Seu Manuel da venda com bola e terem fugido depois). Renatinho só não conseguia entender porque aquela tia era diferente das outras, das que ele gostava mais. Por que a Tia Benta vive aqui em casa dando ordem em todo mundo e a Tia Ednanci (que fazia os melhores doces) quase nunca vem? Isto ainda sendo a segunda parente de sangue mesmo.

O menino resolveu investigar. Investigou, mas não descobriu nada. Ninguém tinha um registro, ninguém tinha uma recordação. Todo mundo simplesmente aceitava a presença da Tia Velha que estava ali desde sempre. E foi justamente aí que o garoto enxergou sua oportunidade de se libertar das obrigações que tinha junto à tia. Se por um lado ninguém questionava a presença da Tia Benta, por outro, ninguém também se importaria se ele simplesmente se recusasse a fazer o que a velha mandava. Desde que ele não faltasse com o respeito (afinal, deve-se respeitar os mais velhos), ele poderia viver sua vida fazendo as coisas que ele tinha vontade, mas não podia fazer antes por ordens da tal tia de consideração.

Vitória. Renatinho finalmente ia poder brincar de bola domingo de manhã, ao invés de ir à missa da igreja chata. Agora ele ia poder namorar com a filha da vizinha no corredor e também ia poder ser amigo do Ricardo, o menino afeminado da rua de cima (mas que tinha os melhores videogames). Ele ia poder comer doce até não aguentar, ia poder ler as revistas em quadrinhos que quisesse e ia poder gritar um sonoro palavrão quando chutasse sem querer o asfalto e arrancasse o tampo do dedão (desde que a mãe não escutasse). Parecia um estilo de vida mais livre, com mais experiências, menos medo e menos ressabiamento de tudo. Renatinho gostou.

Hoje, Renato nem nota mais a presença da tia nos cantos da casa. Geralmente, ele só se lembra da Tia Benta quando ela junta todo mundo pra rezar nas festas de natal e em algumas outras cerimônias de família como batizados ou casamentos. Ironicamente, o 'santo' dele não bate com o dela. Mesmo assim, ele entra na roda, por respeito.

0

Testamento

Posted by Arthur on 10:22 in
Deixo aqui expressa a minha vontade de que nenhum dos meus bens seja transmitido a nenhum parente, amigo ou interesseiro. Levo tudo que é meu por direito dessa vida para além.

Minha falta de confiança e de certeza, cunhadas com muito esforço por todas as vezes em que fui julgado certo e confiante demais. Também meus medos e aflições, e meus sonhos e aspirações, estes trancafiados em um baú de coisas que não importam nas canções. Não vou deixar pra trás nem minha racionalidade, tão racionada ao longo da curta vida.

Tudo o que eu conquistei não há de ser deixado para ser mal aproveitado por nenhum de vocês. Saio assim da vida para entrar no esquecimento, que é a história da escória.

Aos parentes, peço que entendam.
Aos amigos, peço que entendam.
E a você, meu amor, não peço nada não.

1

Enquanto isso em Goiás...

Não tenho com esse texto a intenção de criticar vazia e já tão repetidamente os tais 'revolucionários de redes sociais'. Acredito mesmo que a era da livre informação que vivemos graças ao advento sensacional da internet (e de suas mídias digitais) é fundamental para a mudança que todos pelo menos dizemos querer no modelo de gestão pública. E uma simples confirmação de presença no evento que eu batizo aqui de 'Occupy Civic Square' já é um fruto minimamente relevante nesse processo. É um movimento coletivo onde um pequeno gesto individual pode ser parte integrante de uma revolução comunitária imensa.

Mas a maneira como nos organizamos e pensamos enquanto organismo coletivo ainda é muito errada. Não é saudável nos deixarmos ser tão facilmente manipulados por qualquer disseminador de conhecimento. E não estou falando somente da Revista X ou do 'Jornal N', pois como disse no primeiro parágrafo, esta é uma era em que qualquer um pode produzir e veicular conteúdo gratuitamente. Estou me referindo mais especificamente às lideranças esquerdistas que estão vivendo um verdadeiro momento de apogeu, onde ao invés de zines ultrapassados ou pichações no muro da faculdade, utilizam como meio de veiculação para suas ideias o espaço sem regulamentação e com atenção quase total do público que é a internet.

Não nos rendamos ao estado de histeria coletiva. Não nos configuremos em uma turba que compra ideais sem nem mesmo digerí-los. Formemos nossa própria consciência baseando-nos no que vemos, lemos e principalmente nas nossas próprias experiências de vida. Porque senão estaremos tão somente trocando as lideranças que gerem os recursos públicos segundo os próprios interesses, seja ela de direita, esquerda ou 'centro-ambidestra'. Sair para marchar nas ruas com a cara pintada ou nariz de palhaço já estava sendo feito em 92, duas décadas atrás. Aliás, gente morreu metralhada fazendo isso na Rússia há quase um século. Vamos utilizar nossa maior disponibilidade de recursos e de informação de maneira mais interessante e inovadora, para variar. Vamos pensar com mais abrangência, vamos educar melhor, vamos votar melhor. E quando eu digo 'votar melhor', não estou falando de simplesmente deixar de votar no Marconi Perillo, até porque duvido que o contrário ainda passe pela cabeça de alguém que chegou até esse ponto do meu artigo.

Se é pra comprar todo e qualquer tipo de papo anti-governo, lembremos-nos de que em 2002, quando a maioria de nós não passava de um jovem preocupado em comemorar o penta mundial da seleção de futebol, o polêmico Jorge Kajuru estava fazendo denúncias muito mais sérias do que as envolvendo o drama prolongado da Operação Monte-Carlo. Mesmo assim o que fizemos? Re-elegemos o Marconi para cargos de importância federal pelo menos em mais umas 2 ocasiões (inclusive como um dos senadores mais votados da história do Brasil). Claro que não estou defendendo a idoneidade ou irrefutabilidade de provas presentes no documento redigido pelo dono da extinda Rádio K, mas vale lembrar que na dedicatória do dossiê, antes mesmo de seu prefácio, Kajuru escrevia:

"Desafio os bajuladores de palácio a escreverem um livro que desminta tudo aqui escrito e provado. Mas apresentem documentos."

Eu sigo esperando.
Não é difícil encontrar o Dossiê K disponibilizado gratuitamente online. Ao contrário de alguns estudantes da UFG, que tiveram de ser coagidos por PM's presentes ilegalmente no território federal do Campus Universitário, você pode facilmente adquirir (de graça) e ler seu exemplar digitando 'Dossiê K' no grande google.

Fora de qualquer discussão acerca dos famigerados 'tentáculos de Carlinhos Cachoeira', até porque não concordo com a repercussão e combate exacerbado aos envolvidos nesse escândalo, deixo aqui a minha curta reflexão política. Lembrando que ainda sou apenas um estudante de Publicidade e Propaganda que sabe escrever razoavelmente. Vocês podem livremente concordar comigo, ou não. Até prefiro que discordem, porque o comum acordo nunca gerou mudanças e engrandecimento para ninguém. Eu não confirmei minha presença na Occupy Praça Cívica, não coloquei foto com nariz de palhaço e, se eu fosse parte dos eleitores que costumavam votar no senador Demóstenes Torres, não deixaria de fazê-lo em virtude desse caso vendido. Mas isso eu não quero discutir aqui não.

Arthur Oliveira Moraes
02/04/2012

0

Sem Figura & Sem Final

Posted by Arthur on 20:12 in
Pegou uma folha de papel.
Tentou escrever e só conseguiu rabiscar.

Só conseguia pensar em poemas metalinguísticos ou contos fajutos daqueles com um ponto de virada tão estrategicamente colocado no momento esperado, contradizendo-se, portanto, em essência.

"Que tal se eu desembestar a escrever um livro sobre o próprio processo de criação do livro?"
- A tal da metalinguagem emergiu de novo para o lembrar do Woody Allen. Não gostava de Woody Allen. Não queria estilhaçar a sua própria quarta barreira.

"E se eu começo a trabalhar num roteiro em que um porteiro de edifício finge ser um detetive particular? Daí ele começa a coagir os moradores do condomínio anonimamente, tendo em mãos informações privilegiadas que só um porteiro pode ter?"
- Só a escrita daquela sinopse cotidiana parecia um retrato da feição ruiva dos irmãos Cohen. Onde iria encontrar seu estilo? Onde iria registrar sua marca? Certamente não ali naquela ideia de autoria tão clamada por terceiros.

"Já sei! Aliens Zumbis! Ninguém nunca fez nada de Aliens Zumbis! Já pensou o potencial de um crossover de Ridley Scott com George Romero?"
- Pfff... Riu da imbecilidade da própria ideia. Que droga viver em um mundo onde a forçação de barra por propostas originais acabam por resultar nessas piadas: Alienzumbis, francamente.

Devia ver menos filmes.
Talvez aí chegasse ao ponto de misturar suas referências na medida certa, surgindo com algo que pelo menos convencesse uma certa originalidade.
Talvez aí parasse de achar que tem de, obrigatoriamente, ser ou o mocinho de coração partido ou o cafajeste sem nada a ser rachado.
Talvez ele fosse um coadjuvante.
Talvez ele fosse um figurante.
Talvez ele não fosse nem mesmo o roteirista.
Talvez ele fosse só alguém que lê o roteiro da maneira esperada, com a entonação e pontuação idealizadas.

Ninguém se imagina como figurante da própria vida. Todo mundo pensa em si como um herói digno de registro. E hoje, ainda que ele não o fosse, deixaria registrado em forma de texto misto a ideia de que sim; o era.

De repente, constatou que até mesmo o conto que estava escrevendo não passava da soma de duas reflexões textuais lidas mais cedo no mesmo dia, de autoria de qualquer dupla de colegas blogueiros. Desistiu de forçar a tal imagem de heroísmo e parou de escrever sem nem mesmo conclu

0

Sobre Amor em Mídias Digitais

Posted by Arthur on 06:41 in , ,
Pelo afeto, inquieto, hei de ter decência. Pois que sejas constante sem perder efervescência, tal qual faça ofensivas sem perder cadência.

0

Meus pensamentos avulsos em 20 de janeiro de 2012.

Posted by Arthur on 23:23 in , , , ,
A internet: como explicá-la?

Como é a maneira certa de utilizar essa ferramenta? Como ela deve ser legislada de modo a não desrespeitar leis e convenções que vão desde o recentemente famigerado direito autoral à pedofilia e perseguição de assassinos de yorkshire? Quem deve decidir se o fato da Luiza ter ou não voltado do Canadá é digno de ampla propagação? Até onde um compartilhamento do Facebook pode tirar manifestantes do Occupy Wall Street da cadeia ou fazer o governo paulista retirar as tropas da PM dos campi da USP?

Quando foi que um grupo anônimo e mascarado passou a ter o apoio incondicional da classe média padrão, sempre "tão preocupada" com as questões pertinentes na sua timeline? Nessa enfadonha "3° guerra mundial", de que lado devemos ficar? Qual é o nosso papel nessas batalhas? Devemos ficar nas trincheiras, observando e formando senso crítico apenas? Devemos ir para o campo de batalha? Ou ainda, devemos ser reles munição, bucha de canhão que apoia um grupo de super-heróis virtuais, de vigilantes mascarados, numa alegoria perfeita dos personagens da Marvel ou DC, relida em pleno século XXI?

Eu não trago respostas porque não as tenho. Nem eu, nem você, nem o congresso norte-americano, nem o Carlos Nascimento, nem os artistas contra-usina de Belo Monte, nem o 'cara do Megaupload', nem o Anonymous, nem o Guy Fawkes, nem o 'cara do Wikileaks', nem, é claro, a Luiza que está no Canadá e nem ninguém! Somos todos semelhantes e o que faz alguns de nós termos menos poder do que os outros é a burrice instaurada pelo estado de histeria coletiva cada vez mais presente nas redes sociais, e que alguns sabem controlar muito bem.

Eu entendo que todos tentem o que julgam melhor dentro da sua própria esfera de poder, mas sendo o anarco-socialismo o estado utópico e ideal da sociedade contemporânea, a internet não funciona como um laboratório perfeito para isso? Um ambiente até então, pelo menos, sem líderes, sem censura, onde todos têm relativamente a mesma capacidade de propagação de ideias, onde em tese não precisaríamos de um grupo cracker criminoso para nos defender da própria justiça... Talvez ela sirva para entendermos como essa sociedade funcionaria, de modo que esse estado deixaria de ser tão utópico assim, certo?

Por hora, deixemos os Anonymous trabalharem, deixemos as Luizas irem e virem de onde quer que estejam, deixemos o BBB 12 acontecer e ser discutido, deixemos os memes viralizarem e depois desaparecerem (como todo bom vírus) e utilizemos a internet cada um à nosso própria maneira. Eu, por exemplo, me limito a tentar ver tudo o que acontece resistindo para não comentar nada, assim não entrando numa dessas batalhas sem fim que eu acompanho por aí. Assim, me parece mais seguro. Assim eu não perco a razão.



1

Poesia Goiana

Posted by Arthur on 16:08 in , , ,
No pouso plano em plena alvorada
Pra mais além de terras queimadas
O sol, em brasa, arde sem tato
Onde resta um pedaço pouco de mato.

Uma porção de céu e mata rala
De um gentílico de rara fala
Que algum, de certo estava enganado
Achou por bem chamar de cerrado.

'Arvoricas' que guardam abraços
Com parvos e retorcidos braços
Seja para acolher os que de muito voltaram
Ou para receber os que mais longe chegaram

E a recompensa vale a pena
Mesmo a alma sendo pequena
Pois a terra, sem choro nem vela
Cuida logo de engrandecê-la

Com seus Montes Claros, Morrinhos e chapadões
Com as suas praças, de violeiros e aviões
Na relva de 'buritis alegres' e verdejantes
Brotam mil pequizeiros a saudar os viajantes.

Goiás, terra das águas, de Caldas Novas e senis
A corta o Araguaia de peles morenas febris
Velho Goiás de Pirenópolis e Cora
Também das duplas que todo o Brasil adora.

Paranaíba e Anhaguera de ribeirões flamejantes
A Bela Vista que recai em buritizais sussurantes
Interior de sotaques de um povo sofrido e forte
Quilombolas do Tocantins, o irmão mais novo do norte.
Mendonça Teles, Chico Camargo, Tigre da Vila
Serra Dourada feita de pedras e 'Maravilhas'
Rio Verde, Vermelho ou de águas tão cristalinas
De onde bebem Verde da Serra e Dragão das Campinas.

Goiás de noite estrelada, de cavalgadas e arreios
De bandas e Cavalhadas, de 'bicicletas sem freios'
De Flamboyants, Bougainvilles e Ipês de flor amarela
E da santíssima Trindade, de santuário e capelas.

Voltando carente à cidade que é sempre quente
Num dia que alivia com pingos de chuva fria
Em tempos modernos de versos tão avérneos
Sobre amores comuns, embora ainda ternos
Tal qual fez Tom, não com Helô, mas com Ipanema
Me perdi em meio às curvas do meu próprio tema
E assim, lá se foram trezentos quilômetros de goiás rabiscados nesse poema.


Copyright © 2009 O Menestrel Mudo All rights reserved. Theme by Laptop Geek. | Bloggerized by FalconHive.